O Teatro - Duas visões, um só momento (Parte II)
Ilustração de Aitch
Visão do Artista
As Luzes ligam-se e o pano sobe,
O fervente sangue rodopia em círculos,
Impedindo o pensamento e a coerência.
Treme. Amedronta-se. Chora.
Nada é certo e real.
Tudo é relativo e inconstante.
Mordaz!
Sufoca.
O ar deixa de entrar vorazmente,
Criando uma sensação de dor e de desmaio.
Loucura.
Demência.
Tudo deixa de fazer sentido.
Agarra-se ao seu cheiro incandescente,
– Para tentar recordar-se de quem é –
E deixa-se desligar…
Na esperança de voltar a ser racional!
… E volta a dolorosa sensação de prazer súbito,
Como se outra sensação não conhecesse!
Sensação mágica. Inexplicavelmente mágica!
… E ferve novamente o sangue,
Apuram-se novamente os sentidos.
Entra de rompante para o palco
E brilha como um sorriso de criança!
Porém o jovem artista sofre e enlouquece,
Tudo o que decorara outrora, desaparece…
Desesperado decide improvisar,
Os seguintes versos que diz a chorar.
“Já não sei rimar!
Os meus dedos perderam a voz e o talento!
Nem em verso sei chorar, já…
Nem transformar palavras em sentimento!”
Entre soluços continua:
“Tudo da minha mente se apagou,
As deixas… os passos…
O medo, do meu corpo se apoderou…
Restando apenas estes meros versos!
O palco é a minha vida,
As deixas o meu respirar,
E quando as cortinas se fecham,
Chega-me a faltar o ar!”
Após a emotiva declamação,
Deixa o palco a correr,
Baixando o olhar envergonhado.
Até o pano finalmente o esconder.
Sofre. Rebenta de Raiva.
Amolece… e Chora!
Julga sua vida de actor terminada,
Julga não ter honrado sua avó tão amada,
Não tendo proferido os versos por ela criados,
Por ela tantas vezes pronunciados!
Loucura.
Demência.
Tudo deixa de fazer sentido, novamente.
De repente, por detrás do pano,
Ouve uma ovação em sua homenagem,
O público todo em pé a aplaudi-lo,
Pensando que encarnou bem a personagem.
As luzes ligam-se e o pano sobe novamente,
E o jovem actor sentindo-se amado, alegremente
Sobe para o palco com o sorriso de criança,
Desejando que aquela sensação nunca mais desapareça.
Visão do Público
O Público, não percebendo o engano,
Adorou a actuação,
Levantando-se com toda a ostentação.
“Palmas para o artista! Palmas!”
ano: 2010